terça-feira, 5 de outubro de 2010

Trechos - Lygia Fagundes Telles. As meninas

"Olhos Nus. Em verdade eu vos digo que chegará o dia em que a nudez dos olhos será mais excitante do que a do sexo".




"Astronauta também sentia sono quando eu ascendia um incenso. E se espreguiçava como eu me espreguiço, foi com ele que aprendi a me espreguiçar. Gato à-toa, por onde anda hein? Dava aula diárias de preguiça e luxúria, mas nunca repetia os movimentos, todo o bailarino devia ter um gato. A astúcia. Ao mesmo tempo o abandono. O desprezo pelas coisas realmente desprezíveis. E aquele calculo e fixação" .





"O homem do pêssego:  
Assisti de uma esquina enquanto tomava um copo de leite: um homem completamente banal com um pêssego na mão. Fiquei olhando o pêssego maduro que ele rodava  e apalpava entre os dedos, fechando um pouco os olhos como se quisesses decorar-lhe o contorno. Tinha traços duros e a barba por fazer acentuava seus vinco como riscos de carvão mas toda a dureza se diluía quando cheirava o pêssego. Fiquei fascinada. Alisou a penugem da casca com os lábios e com os lábios ainda foi percorrendo toda sua superfície como fizera com as pontas dos dedos. As narinas dilatadas, os olhos estrábicos. Eu queria que tudo acabasse de uma vez, mas ele parecia não ter nenhuma pressa: com raiva quase, esfregou o pêssego no queixo enquanto com a ponta da língua, rodando-o nos dedos, procurou o bico. Achou? Eu estava encarapitada no balcão do café mas via como um telescópio: achou o bico rosado e começou a acariciá-lo com a ponta da língua num movimento circular, intenso. Pude ver que a ponta da língua era do mesmo tom rosado do bico de pêssego, pude ver que passou a lambe-lo com uma expressão que já era sofrimento. Quando abriu o bocão e deu o bote, que fez espirrar longe o sumo, quase engasguei no meu leite. Ainda me contraio inteira quando lembro, oh Lorena Vez Leme, não tem vergonha?"






Nenhum comentário:

Postar um comentário